Crie um site como este com o WordPress.com
Comece agora

Culture and Anarchy de Matthew Arnold Revisitar um clássico no século XXI

Carlos Vargas

ORCID ID: 0000-0002-6982-7407

HTC-CFE NOVA FCSH[1]

SILVA, Jorge Bastos da, MALAFAIA, Teresa de Ataíde (eds.). Culture and Anarchy: Reading Matthew Arnold Today. Universidade do Porto Press, 2021, 124 pp. ISBN 978-989-746-309-9. 

Culture and Anarchy: Reading Matthew Arnold Today (Universidade do Porto Press, 2021) reúne sete ensaios com perspectivas diversas sobre a obra Culture and Anarchy. An Essay in Political and Social Criticism, publicada entre 1867 e 1868 por Matthew Arnold (1822-1888) na Cornhill Magazine e, como livro, em 1869, ao qual o autor adicionou um prefácio especialmente escrito para o efeito (Smith, Elder, and Co., Londres, 1869).

Culture and Anarchy tem mantido uma continuada recepção, com significativa presença na Academia. As sucessivas reedições em língua inglesa e os respectivos ensaios introdutórios, a par da publicação de diversas obras determinantes para a compreensão das ideias de Arnold e do contexto vitoriano em que viveu, alimentaram uma permanente visibilidade do seu pensamento. Em Culture and Anarchy, Arnold analisou a sociedade britânica do seu tempo, identificando a desigualdade das medidas tomadas pelo poder político perante as diversas nacionalidades e culturas internas. Arnold identificou também a falta de uma resposta adequada a sinais persistentes de desobediência civil que, na sua perspectiva, poderiam vir a conduzir a sociedade para algo próximo da anarquia. Ao analisar e responsabilizar os poderes religiosos das Igrejas Anglicana, Protestante e Católica, dos movimentos Não-Conformista e Puritano, das correntes do Presbiterianismo, do Episcopalismo, do Reformismo, e da Igreja Judaica, Arnold defendeu que o Estado deveria procurar intervir na educação dos cidadãos, favorecendo e implementando uma coesão cultural, social e política,  não deixando que tal missão ficasse quase exclusivamente entregue à discricionariedade das múltiplas igrejas e movimentos religiosos que povoavam a sociedade britânica na segunda metade do séc. XIX. Em “Matthew Arnold’s Educational Challenges to a Self-confident England”, Teresa de Ataíde Malafaia (Universidade de Lisboa) propõe uma reflexão sobre as preocupações de Arnold relativamente ao sistema educativo, o seu profundo conhecimento desta realidade no Reino Unido e também em diversos países europeus, e a sua crença no poder transformador da educação:

The persistent motivation to educate readers (or, in some cases listeners) about social and cultural issues shows not only the intellectual outcomes of his education, but also his continual responsiveness to contemporary societies. (p. 23)

Leituras contemporâneas de Culture and Anarchy implicam, de resto como em muitas outras obras, um importante desafio de contextualização, sendo a sua leitura fundamental, ainda hoje, para a compreensão do movimento posteriormente designado culture and civilisation tradition, que condicionou os estudos culturais britânicos ao longo do séc. XX. Em “Remarks on Culture as ‘a Study of Perfection’”, Jorge Bastos da Silva (Universidade do Porto) identifica as tensões e os limites de uma argumentação dinâmica em torno da definição do conceito de cultura, em que Arnold recusa os excessos da Era da Mecânica e defende a noção de cultura como transmissão e partilha dos seus textos canónicos, enquanto mecanismo essencial não só para o desenvolvimento individual mas também para o progresso e coesão sociais.

A ideia de um Estado com maior autoridade e poder de intervenção na sociedade, como proposto por Matthew Arnold, entrava em conflito com uma visão que privilegiava o primado do individualismo empreendedor. De alguma forma, Arnold procurava responder aos excessos do materialismo e do utilitarismo não humanista que acompanhara a Revolução Industrial, que transferia a fé no progresso e na evolução do ser humano para o avanço tecnológico e para a economia. Paradoxalmente, a produção e a divulgação do conhecimento de Matthew Arnold surge, paradoxalmente, associada, não só na forma como também na linguagem, à indústria do jornalismo, cujas dinâmicas o autor parece ter tão bem explorado (p. 46). Em “Culture and Anarchy: Public Discourse and Print Culture 1864-1873”, Laurel Brake (Universidade de Londres) explica o processo de produção textual em série, que permite a Arnold produzir e divulgar a sua produção teórica numa sequência de aulas e/ ou conferências, que se transformam em artigos de jornal, os quais, por sua vez, se adaptam a capítulos de livro e mesmo a livros. João Paulo Ascenso P. da Silva (Universidade Nova de Lisboa), em “The irreversible rise of New Journalism: Matthew Arnold and the popular and sensational press”, explora as relações de Arnold com o New Journalism em desenvolvimento no Reino Unido no último quartel do séc. XIX (p. 67).

Este volume apresenta, ainda, três ensaios dedicados a questões de identidade em torno do processo político conhecido por Brexit. Adelaide Meira Serras e Patrícia Rodrigues (ambas da Universidade de Lisboa) analisam em “Brexit, Culture and Identity” o papel dos media na formação da opinião pública britânica no período que precedeu  o referendo de 2016, que conduziu à saída do Reino Unido da União Europeia (p. 84). Em “Brexit: Victorian Cultural Heritage or an Unrelenting Search for Identity”, Sónia Aires Lima (Universidade de Lisboa) invoca os debates contemporâneos, pós-Brexit e pós-pandemia, à volta dos conceitos de cultura e identidade, enquanto valores patrimoniais inalienáveis (p. 100). Por sua vez, Katarzyna Stepien (University College London), em “Cultural Revolution or Cultural Suppression: British Culture in the Post-Brexit Reality”,  desenvolve o tema do afastamento insular dos britânicos, identificando os temores que podem vir a surgir do processo político em curso, cuja natureza e consequências se encontram ainda por determinar (p. 108).

Os ensaios reunidos neste volume, editados por Jorge Bastos da Silva e Teresa de Ataíde Malafaia, actualizam o estatuto de texto clássico, aliás alcançado há muito por Culture and Anarchy, de Matthew Arnold. Ao pôr em relevo a fragmentação das narrativas e dos valores partilhados em sociedade, a distopia pós-moderna contribui inevitavelmente para a desagregação da coesão social. Múltiplos receios ganham, assim, expressão na esfera pública, conduzindo a tentações, porventura abismais, para se validarem respostas unívocas e autoritárias. Mas tal como já então na Era da Mecânica, a educação permanece, também agora, no mundo globalizado do séc. XXI, a melhor ferramenta para enfrentarmos a alteridade e quiçá a estranheza do Outro, que eventualmente nos desafia e atrai.


[1] HTC – História, Territórios e Comunidades constitui um pólo na NOVA FCSH do Centro de Ecologia Funcional – Ciência para as Pessoas e o Planeta – da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Trabalho realizado no âmbito da Unidade de I&D Centre for Functional Ecology – Science for People & the Planet (CFE), com a referência UIDB/04004/2020, com apoio financeiro da FCT/MCTES através de fundos nacionais (PIDDAC).

Publicidade

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: